11 de outubro: dia internacional da menina

 

Meninas e a leitura

Cristina Maria Rosa

 

 

Livros para meninas?

Há livros que educam meninas? Há literatura produzida para emancipar meninas? O que é uma menina?

Para a escritora Fernanda, 15 anos, “menina é o símbolo da inocência, da ingenuidade, longe de pensamentos machistas, em que meninas são criaturas mais fracas e sua inocência vem do não saber as coisas”. Para ela, “meninas lembram beleza, luz, tudo de mais lindo que o mundo traz. E com certeza, a sabedoria e a inteligência”.

Para uma estudante de Pedagogia de 34 anos, “menina é a definição, em nossa cultura, para a criança que nasce com o sexo feminino. É uma expressão usada para diferenciar menina de menino, baseada no formato das partes íntimas, vagina e pênis. É o mesmo que guria, para nós gaúchos. Após certa idade – indefinida, pois não se sabe quando começamos nos chamar mulher – deixamos de sermos meninas e passamos a ser mulheres. Nascemos mulheres, por causa da definição biológica. Para suavizar a carga e adoçar, chamamos "meninas" as crianças do sexo feminino. Muitas mulheres adultas são chamadas de meninas. Em qualquer idade. E muitas acham difícil ser chamadas de mulheres, pela carga que este nome tem, às vezes, pejorativo. Menina adoça, mas, queremos ser doces pelo restos de nossas vidas? Acredito que a resposta venha de outra pergunta: Queremos ser amargas pelo resto de nossas vidas?”.                     

Observando...

Observando essas duas considerações diante de tantas outras que recebi após uma pesquisa informal, retorno à pergunta: Há livros endereçados para meninas? Neste caso, o que os aproximam, o que os tornam imprescindíveis?

Narrando mulheres

Anteriormente à profusão de títulos que, desde os anos 80 vêm sendo produzidos com a proposição de abordar a educação de crianças com mais delicadeza, criatividade, pertencimento, gentileza, alguns de nossos autores já se debatiam com a figura feminina. Um deles, João Simões Lopes Neto que, há 100 anos, mostrou-se estarrecido com a fúria amorosa e destruidora de Tudinha, em “O negro Bonifácio”. Outro, Erico Verissimo, um interiorano soterrado pela exuberante adolescência e o inevitável nascimento da vida adulta em “Clarissa”. O último, Mário Quintana, inconforme com o poder de escolha das mulheres em “As três moças de encruzilhada”.

Sim.

Três autores.

Três homens.

Três vozes.

Passados esses primeiros tempos, narradas essas meninas, mocinhas e até velhotas, a literatura passa a oferecer indícios de que às mulheres – e às meninas, também – restava pensar. Não que isso – pensar – ainda não houvesse sido sugerido, tematizado. Le petit Chaperon Rouge, conto de fadas de origem européia publicado pela primeira vez em 1697, pelo francês Charles Perrault, é um recado à infância e às meninas: os lobos existem, eles são perigosos, eles se disfarçam, eles matam.

Apesar dos trezentos e vinte anos que nos separam dessa primeira grafia de Chapeuzinho Vermelho, a natureza e a cultura das mulheres e sobre as mulheres parecem ter aprendido pouco. Em busca de caçadores, de lenhadores, de salvadores, as meninas e até mulheres adiam o protagonismo das próprias vidas.

Enredadas em tramas – sussurros, promessas, discursos, lenga-lengas – atribuem ao outro (o pai, o padrasto, o irmão, o colega da escola, o namorado, o noivo, o amante) seu destino. E os números indicam que o destino nem sempre é sair da barriga do lobo.

Acervo

Focando a busca por obras que sugerissem protagonismo, o intuito era criar um programa de leituras para meninas. Sonhava em dialogar com elas sobre liberdade para pensar e escolher, pois sei de nossas diferenças, a primeira delas, geracional.

Não pretendo falar pelas meninas. Sei do inútil que é impor pautas e resoluções, conceitos e teorias, análises e estatísticas.

O lobo, por velho e sábio, conhece o mel. Não usa o fel. Quem nunca provou?

Assim, reuni, entre os títulos de minha biblioteca, um grupo de livros que têm em comum, temas ou protagonistas meninas, mocinhas ou mulheres que extrapolam os clássicos papeis destinados culturalmente ao gênero feminino. Na construção dessas personagens e tramas, os autores e autoras apresentam a nós, leitores, perfis, ideias, tramas e desfechos inusitados, inteligentes, bem humorados, afetivamente includentes e com lógicas não violentas.

O que eu pretendo com esses livros?

Encantar e fazer pensar.

Dizer às meninas que elas existem, não são bando, não precisam ser iguais, tem direitos, podem expressá-los, podem fazer escolhas, não estão sozinhas. Intenciono, também, ouvir, conhecer e aprender a dialogar com as meninas.

As obras indicadas

Os livros que selecionei e que indico são: Maria vai com as outras, de Sylvia Orthof; Teresinha e Gabriela, de Ruth Rocha; A Zeropéia, de Herbert de Souza, uma obra que marcou a literatura infantil para pensar; Bisa Bia, Bisa Bel, de Ana Maria Machado; Pandolfo Bereba, de Eva Furnari; Mania de Explicação, de Adriana Falcão; Sebastiana e Severina, de André Neves; Nós, de Eva Furnari; Ceci tem pipi? De Thierry Lenain; Chapeuzinho Amarelo, de Chico Buarque; Ervilina e o princês, de Sylvia Orthof; Selma, de Udo Araiza; Espelho, de Suzi Lee; Vermelho Amargo, de Bartolomeu Campos de Queirós; Uma chapeuzinho vermelho, de Marjolaine Leray;  O cabelo de Lelê, de Valéria Belém;  Orie, de Lúcia Hiratsuka;  O livro dos grandes opostos filosóficos, de Oscar Brenifier e Jacques Després; Inês, de Roger Mello e Mariana Massarani e A ervilha que não era torta... mas deixou uma princesa assim, de Maria Amália Camargo.

Por fim, indico um título.

Para pensar.

Um útero é do tamanho de um punho, de Angélica Freitas.

Fiquemos com o título, pleno de sentidos.

Observemos duas das palavras contidas nele:

Útero.

Punho.

Lembremos...

Todos temos punhos.

Só as meninas tem útero!


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