O dia da língua nacional
e o dia mundial da diversidade cultural para o diálogo e o desenvolvimento
Alessandra Steilmann
Débora Monteiro
Leticia Oliveira Vilela
Luzia Martins
Dia 21 de maio é o Dia da
Língua Nacional. Para marcar tal data, nós, do PET Educação, pensamos que seria
relevante refletir sobre uma das expressões artísticas da Língua Portuguesa que
consideramos essencial: A Literatura Brasileira. A partir disso, iniciamos uma
pesquisa interativa com o seguinte questionamento: É importante ler Literatura Brasileira? Por quê?
Contudo, enquanto
recebíamos as primeiras respostas a nossos questionamentos – enviados de forma
on-line a nossas listas nas redes sociais – percebemos que o tema “se enroscava”
com a existência do “Dia Mundial da Diversidade Cultural para o Diálogo e o
Desenvolvimento”, coincidentemente comemorado no mesmo dia, 21 de maio. Agregar
as duas temáticas foi a decisão do grupo.
Sobre a Língua
Nacional e a Diversidade Cultural
Fazendo uma rápida pesquisa
em qualquer navegador de internet podemos concluir, sinteticamente, que “Língua
Nacional” é a Língua falada em uma nação. Segundo o Linguista Eduardo Guimarães
(2020), a Língua Nacional é
A língua do povo de uma
nação enquanto relacionada com um Estado politicamente constituído. A língua
nacional é por isso vista como a língua oficial de um país. Ter uma língua como
própria de um país funciona como um elemento de sua identidade política e
cultural.
No caso do Brasil, a língua
falada pela maioria da população e que também é obrigatória em todos os
documentos, atos oficiais e no ensino de modo geral, é a Língua Portuguesa. O
linguista ainda diz que a língua nacional “se caracteriza em virtude de uma
unidade imaginária da língua que é atribuída à Nação”, ou seja, existe uma
ideia de que a Língua seja homogênea, mas precisamos lembrar que em nosso País,
há diversos dialetos, níveis de formalidade e também diferentes povos
contribuíram para a construção de nossa maneira de falar e escrever. Nesta
perspectiva, LIMA E CARMO (2008) afirmam que
A questão da diversidade
cultural – hoje em pauta no Ministério da Cultura – está intimamente ligada ao
reconhecimento do Brasil como um país multilíngue, onde a história da
implantação do português como língua nacional e como marca identitária envolveu
não apenas o estabelecimento de um diálogo com Portugal, antiga metrópole
colonial, como a relação com os diferentes grupos humanos, culturais e étnicos
no território nacional. A história da nacionalização da língua portuguesa no
Brasil, além do reconhecimento de suas peculiaridades fonéticas, gramaticais e
vocabulares diante do português europeu, supôs o tratamento de inúmeras outras
línguas – indígenas, africanas, europeias, asiáticas – e não raro o seu
confronto (LIMA E CARMO, 2008, p. 11).
Podemos dizer, então, que
apesar de herdarmos a Língua Nacional de nossa antiga metrópole colonial, há
diversos elementos sobre nosso contexto sócio-histórico-cultural que
diferenciam nosso idioma. Segundo ORLANDI (2020):
Por sua historicização em
outro território – o Brasil –, o processo de constituição da língua portuguesa
se remete não a um modelo estático exterior a seu campo de validade (nacional),
mas à sua prática real em um novo espaço-tempo de práticas discursivas. [...].
Uma vez conquistado seu direito à unidade, reconhece suas variedades (relação
com as línguas indígenas, africanas, de imigração, entre outras) que lhe dão
identidade para dentro e para fora – para dentro, por exemplo, distingue-se o
português standard dos tupinismos, africanismos, populismos; para
fora, distingue-se pelo mesmo traço, os brasileirismos, em relação ao português
de Portugal. [...] Esse reconhecimento é parte da nossa unidade nacional.
Através da Língua
Portuguesa nós materializamos nossos pensamentos, emoções, sensações e
sentimentos por palavras ditas ou escritas. E muitas dessas palavras, expressam
também a nossa diversidade cultural e um pouco de nossa história. Você sabia
que a origem das palavras cafuné, dengo e carimbo é africana? E que as palavras
capim, pipoca e mutirão são de origem indígena?
A Língua não é estática. Ela
se adapta e se transforma de acordo com o tempo e espaço em que está sendo
utilizada. A sociedade, ou seja, as pessoas, têm um papel ativo neste movimento
de mudança da língua transcrevendo suas vivências, ideias e imaginações em
palavras que podem ser compartilhadas com o mundo e com as gerações futuras.
Dessa forma, é importante pensar na língua como algo “vivo’’, em sentido
ontológico. A literatura entra nesse contexto como um recorte desse universo
que é a língua, emoldurando todos esses elementos como se pintasse a sua forma
naquele momento específico com toda a beleza, liberdade, magia, maestria e arte
que o nosso querido e plural Português (BR) permite, e também merece.
Quanto ao conceito de
diversidade cultural, encontramos um verbete muito interessante escrito por
Aracy Alves Martins para o Glossário CEALE que se intitula “Literatura e
Diversidade Cultural”. No texto, a autora faz a seguinte reflexão sobre o
conceito em questão:
Se buscarmos, nos
dicionários mais utilizados no Brasil, definições para a expressão “diversidade
cultural”, encontraremos, primeiramente, significados para o termo diversidade,
no campo semântico de diverso, plural, múltiplo, no sentido de várias
possibilidades, facetas. Por esse ponto de vista, cada ser humano ou cada grupo
busca sua identidade, distinguindo-se em função das riquezas da sua singularidade.
Entretanto, nos próprios verbetes, outros sentidos são atribuídos, certamente
em decorrência das interações humanas: além de considerarem diversidade como
sinônimo de diferença, acrescentam significados negativos: dessemelhança,
desarmonia, divergência.
A pesquisadora salienta que
é possível perceber o aumento de produções que valorizam a diversidade étnica
de nosso país a partir das Leis 10.639/2003 e 11.645/2008. Elas “obrigam” escolas
a ensinar a história e cultura dos povos negros e indígenas. No então,
ressalta, “a diversidade cultural não diz respeito apenas a questão étnica e
racial”. Para outras chamadas “minorias”, como o sexo feminino, a
homossexualidade, a velhice, a juventude, a infância, a obesidade, pessoas com
deficiência motora, mental, visual, auditiva, entre muitos outros, também se
buscam melhores condições e tratamento digno.
Nesta perspectiva, vemos
que a diversidade cultural não pode ser entendida de forma simplista,
generalizada ou negativa. Há diversos grupos sociais que estão lutando ao longo
da história para poder falar por si próprios através da literatura, podendo
expressar suas ideias, empoderar-se de suas produções literárias e
epistemológicas e, enquanto isso, contribuir também para o empoderamento de
pessoas que se identificam com as mesmas lutas.
A pesquisa e seus resultados
Enviada no dia 11 de maio a
nossas listas de contatos nas redes sociais (e-mail, whatsapp, instagran e
facebook) e tendo um intervalo de seis dias (12 a 18 de maio) para o
recebimento de respostas para a questão É importante ler Literatura Brasileira?
Por quê?, a pesquisa teve início com participação intensa.
Desde a chegada do primeiro
retorno organizamos, diariamente em uma tabela, as dúvidas, opiniões e
contribuições do público para, ao final, todas as participações serem cuidadosamente
analisadas para serem publicadas hoje.
O primeiro movimento foi
observar se havia discordâncias profundas nas mensagens recebidas. E havia...
Entre todas as respostas recebidas,
duas apenas consideraram que ler literatura brasileira não é relevante: uma das
respostas questiona a qualidade da literatura brasileira contemporânea, usando
como exemplos os dois últimos livros lidos e, a outra, que não aprecia por não
ter lido muitos autores brasileiros.
Nas respostas que
defenderam a importância da literatura brasileira, identificamos três argumentos
que explanaremos a seguir, como categorias que, frequentemente coexistiram nas
respostas.
Sobre a história e a
Cultura Brasileira
Há diversas formas de
observarmos as transformações do espaço ao nosso redor no que diz respeito à
história e à cultura, uma delas é através das artes como a literatura. Os
escritos literários ainda que sejam considerados por alguns como simples ficção
são capazes de direcionar o olhar do leitor para o cotidiano e os costumes de
um determinado tempo histórico assim como apontado por SANTOS:
[...] por ser um dos
instrumentos de construção teórico metodológica da interpretação da realidade,
isto é, tudo o que existe de maneira perceptível ou não, a literatura por meio
de sua textualidade, ajuda a compreender a constituição da vida intelectual e
da sociedade pertencente a um determinado momento histórico (SANTOS, 2013).
Nessa perspectiva, podemos
pensar na literatura brasileira como um elemento que faz o leitor considerar
questões sobre o tempo e marcos históricos e com eles, construa e reflita sobre
conceitos referentes à “educação, política, escravidão, gênero e sexualidade”,
como foi citado por uma das pessoas na pesquisa. Foi possível notar que a
leitura é capaz de conectar o leitor com diversas frações e sentimentos, de si
próprio, de períodos históricos e realidades sociais, fazendo com que ele “ressinifique”
a leitura, como também suas próprias verdades e conhecimentos.
Por outro lado, parte das respostas
aponta para a procura pela capacidade que a literatura tem de proporcionar aos
sujeitos que a acessam uma visão/compreensão de aspectos sociais, históricos e culturais
do nosso país, nos fizeram levantar uma problematização sobre a concepção de
literatura que pode estar por trás de alguns argumentos. Observamos que a literatura
é vista como um potencial meio de construir e influenciar o pensamento social,
portanto vê-se a necessidade de esclarecer que mesmo que ela seja um veículo
capaz de comunicar sobre diversos aspectos da nossa história ela é subjetiva,
como problematizado por VELOSO (1998):
Essa concepção da
literatura, que entre nós se constitui em verdadeira tradição, é no mínimo
simplista. Simplista porque apresenta a obra literária como mero testemunho da
sociedade, corno uma espécie de documento destinado exclusivamente ao registro
dos fatos. Perde-se, dessa forma, uma dimensão essencial da questão: a de que a
sociedade é ao mesmo tempo uma realidade objetiva e subjetiva (VELOSO, 1998).
Diante desta problemática,
levantamos a hipótese de que essa concepção pode ser fortalecida pelo fato de a
literatura brasileira ser entendida muitas vezes apenas como conteúdo ou como
uma ferramenta para o trabalho docente. Defendemos, neste texto, que a
literatura em geral deve ser um eixo estruturante e indispensável para o
trabalho docente, circulando não apenas como fonte de conhecimento ou de
contexto para as atividades, mas também como fonte de deleite e pura
apreciação.
Sobre o
aprimoramento do sujeito crítico.
Eventualmente, recebemos
argumentos que sustentam a importância de ler imbricada ao desenvolvimento de
habilidades diversas como a de interpretação, de valores e de senso crítico.
Decidimos por destacar esse último, pois está relacionado à categoria anterior
e também com a diversidade cultural citada pelos participantes de nossa
pesquisa. Notamos que, através deste elemento, desenrolaram-se argumentos
referentes ao desenvolvimento de senso crítico, de argumentação, imaginação e
outros.
A Literatura Brasileira
pode ser lida para o lazer, para “viajar” o país e conhecer um pouco de sua
diversidade. Nesse processo o leitor tem a possibilidade de se aperfeiçoar
enquanto sujeito crítico e social, adotando novos panoramas para sua própria
realidade. Trazendo para si, reflexões além do termino do livro. Quanto a isso,
podemos mostrar uma resposta analisada que se refere à Literatura para além do
enriquecimento intelectual e cultural, mas que também seja usado para aprimorar
o senso crítico: “Os textos literários nos mostram como era antigamente a
sociedade e os problemas que passavam na época em que o conteúdo era escrito,
assim muitas vezes essas transcrições fazem com que refletimos sobre o passado
que constantemente acaba se relacionando com os acontecimentos do presente,
assim podemos mudar ou limitar esses episódios que se associa com cada época
das publicações”.
É indiscutível que a
leitura contribui para a formação do indivíduo enquanto pessoa, e, neste caso,
é evidente que, em paralelo, está a construção da sociedade. Livros literários são
parte da história, o que observa através de características como espaço, tempo,
personagens, imagens, autores, gêneros, linguagem, entre outros. Diante disso,
entendemos que a literatura brasileira é um dos “alicerces” para os argumentos
e debates referentes à construção humana enquanto sociedade. Reconhecemos nela,
assim, um espaço para interpretar, compreender, criar e imaginar mundos mais
reflexivos, onde os interesses do leitor fazem parte da história contada por
todos.
Mais alguns
argumentos...
As duas categorias citadas
acima nos chamaram a atenção porque foram encontradas em maior quantidade nas
respostas enviadas. No entanto, outros argumentos utilizados também merecem
destaque neste texto, entre eles, gostar de ler, produção nacional e conteúdo
de provas. Explicitemos...
Gostar de ler: Identificamos duas
pessoas que responderam de uma forma que pode parecer simples, mas que é muito
significativa quando se trata de literatura, pois pensamos que é essencial para
uma boa leitura, o fato de gostar do que se lê. Uma dessas pessoas escreve o
seguinte: “Li um pouco da nossa literatura brasileira clássica, aqueles mais
indicados nas escolas, tenho alguns. Li e gosto de alguns autores
contemporâneos. Gosto dos nossos gaúchos, Moacir Scliar,
David Coimbra, Lia Luft, Martha Medeiros”.
Produção nacional: Percebemos que
algumas pessoas sentiram a necessidade de salientar que as produções
genuinamente brasileiras têm o mesmo valor das produções estrangeiras. Como por
exemplo nos dois excertos de respostas citadas a seguir: “[..] Devemos estudar
e valorizar a nossa literatura clássica, pois ela também é estudada em muitos
outros países” e “[...] E a Literatura Brasileira é um produto nosso e nós
tivemos autores muito importantes que até têm séries, novelas baseadas nesses
fatos, pois muitas obras literárias trazem fatos reais da época então podemos
dizer que é um produto genuinamente nosso e que é muito gostoso de ler.”
Conteúdo de provas: Apesar de outras
pessoas citarem a literatura brasileira como uma literatura que está presente
nos currículos escolares, uma resposta de uma educadora em especial apresentou,
em tom de desabafo sobre a questão de a literatura brasileira estar presente em
provas: “Outro fator importante para a leitura de literatura é porque está
presente em questões de provas de vestibulares e concursos”!. E: “O maior
desafio que nós educadores enfrentamos nos dias de hoje é ensinar a leitura
para nossos alunos criando neles o hábito de ler infelizmente nesse mundo moderno
em que estamos vivendo, ‘mundo das tecnologias’, cada vez menos os estudantes
interessam-se pela leitura e muito menos pela literatura que é uma pena. Pois
existem muitos ensinamentos no livro de literatura basta saber interpretar e
trazer para os dias atuais o que foi escrito no passado fazer um gancho entre
ontem e hoje”.
Elementos
curiosos...
Para além das categorias
encontradas, outros dois elementos nos chamaram a atenção em algumas respostas.
O primeiro diz respeito a mensagens que incluíram nomes de autores de
literatura brasileira, o que ocorreu em três respostas: Pero Vaz de Caminha,
Moacyr Scliar, David Coimbra, Lia Luft, Martha Medeiros, Ariano Suassuna, Erico
Verissimo e Manoel de Barros. O segundo, revelador de que as pessoas entendem
que é importante ler literatura brasileira, mas não se dizem leitores da mesma,
como no depoimento a seguir: “Nos dias atuais, fica evidente que vivemos
rodeados por pessoas que não possuem o mínimo de conhecimento sobre nossa
própria história e os grandes autores que são oriundos do nosso país. De certa
forma, eu me incluo nessa equação, pois meu contato com as obras nacionais foi
praticamente nulo desde sempre. Espero reverter essa situação logo, para me apoderar
cada vez mais de obras que retratem a nossa cultura e assuntos importantes e
pertinentes para debate como educação, política, escravidão, gênero e sexualidade,
etc. A literatura brasileira pode nos mostrar, através de suas obras, questões
que muitas vezes vimos apenas nos livros didáticos de história. A literatura
nacional contribui para (re)descobrir e (re)conhecer nossa existência”
Conclusões e inquietações
No início da pesquisa,
passamos por um momento de ansiedade sobre o que receberíamos como respostas,
pois, ao realizar pesquisas anteriores com solicitações de autores e títulos de
livros, os brasileiros eram os menos citados. Ao receber as primeiras respostas,
nos sentimos mais animadas, pois, a maioria delas, apresentava esforços em
defender e valorizar a nossa literatura, colocando a diversidade cultural como
um fator de enriquecimento da mesma. Por outro lado, notamos que, mesmo as
respostas que relacionavam diversidade cultural, história e literatura, poucas
vezes os sujeitos dessa diversidade eram mencionados. Quando citados, costumam
aparecer como personagens de “um passado”.
Desta forma, urge que
defendamos, neste texto, os povos negros e indígenas como aqueles que continuam
produzindo conhecimentos e compartilhando-os através da literatura brasileira.
Como exemplo disto, podemos utilizar os estudos de STEILMANN (2019) que, ao
apresentar a produção literária de Daniel Munduruku, descobre que o mesmo já
escreveu mais de 40 livros em 20 anos como autor.
Sobre o conceito de língua
nacional, foi importante entender que a concretização desta marca identitária
de nossa nação não pode ser considerada homogênea, neutra ou pacífica. Porém,
percebemos que essa pluralidade é positiva para a nossa cultura, pois é a
partir desta percepção que podemos começar a valorizar as diferentes produções
brasileiras. Em paralelo a tal pensamento, podemos também parafrasear Aracy
Alves Martins (2014), no texto em que relaciona literatura e diversidade
cultural: “Por todas essas razões, as perguntas continuam em busca de vivências
humanas em que se possa constatar que diversidade não é demérito, que diferença
não é deficiência.”.
Referências
SANTOS, Alessandra Rufino. A importância da literatura como fonte
de pesquisa na construção do pensamento social brasileiro. Revista Examãpaku,
2013.
VELOSO, M.P. A literatura como espelho da nação. Estudos
Históricos, Rio de Janeiro, vol. 1, n. 2, 1988, p.239-263.