A liberdade de
pensamento é um direito humano
Cristina Maria Rosa
Estefânia Alves Konrad
Ilustrações: Paloma Wiegand
Todo homem tem
direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de,
sem interferências, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir
informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras (Artigo
XIX – Declaração Universal dos Direitos Humanos).
O dia 14 de julho foi
escolhido para pensarmos e comemorarmos a liberdade. Para que essa ideia seja efetivamente
e mundialmente marcante, escolheu-se defini-la como “Dia mundial da Liberdade
de Pensamento”. É nesse dia que se comemora uma conquista histórica para
humanidade: a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Observe um de seus artigos:
Artigo XVIII – Todo
homem tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este
direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de
manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e
pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular.
O que é?
A DUDH – Declaração
Universal dos Direitos Humanos – é um documento marco na história dos direitos
humanos que estabelece, pela primeira vez, a proteção universal dos direitos
humanos e pretende ser uma norma comum a ser alcançada por todos os povos e
nações. Elaborada por representantes de diferentes origens jurídicas e
culturais de todo o mundo, foi proclamada pela Assembleia Geral das Nações
Unidas em Paris, em 10 de dezembro de 1948. Desde então, foi traduzida em mais
de quinhentos idiomas e inspirou constituições de muitos Estados e democracias
recentes.
O foco da Declaração
Universal dos Direitos Humanos é delinear, definir, mencionar, fazer pensar e fazer
valer direitos humanos básicos. De autoria do Comitê de Redação da Declaração
Universal dos Direitos Humanos, foi adotada pela Organização das Nações Unidas.
Sua assinatura ocorreu em 10 de dezembro
de 1948 no Palais de Chaillot, em Paris,
França.
É preciso comemorar
a data?
Em uma breve pesquisa
sobre o tema, descobrimos relevantes informações sobre o motivo de se comemorar
o livre pensar. A primeira delas é que a discussão teve início na Europa, mais
especificamente, na França. Diante da necessidade de uma declaração de
princípios, um manifesto a respeito do tema, um grupo de juristas, pensadores,
libertários e intelectuais redigiram uma proposição que, posteriormente, foi posta
em debate e aprovada em assembleia. Ali teve início a Declaração Universal dos
Direitos Humanos. Ou seja, os direitos fundamentais para todos os indivíduos,
também conhecidos como “Direitos Humanos”.
Então, sim, é
preciso comemorar:
Primeiro, por termos
chegado a um acordo universal. Segundo, por termos incluído a todos como
humanidade consenso nem sempre consensual. Terceiro, por, apesar de tudo – guerras,
disputas ideológicas, mortandades, divergências científicas, culturais, econômicas
e religiosas – ainda não termos “rasgado” essa declaração. Um risco, sempre,
diante de tantos desacordos a respeito do que é a humanidade e quais são seus direitos.
Liberdade de
pensamento e de expressão
Declarar que o ser
humano tem direito à liberdade de pensamento não é necessariamente garantir que
o fruto dessa liberdade seja expressado. Por isso, há diferença entre pensar e
explicitar o que se pensa e toda expressão de uma ideia, convicção, crítica, juízo,
opinião, parecer, devaneio, utopia implica em uma consequência, afinal, ninguém
comunica algo gratuitamente, para não ser escutado, considerado.
A possível “confusão”
entre a “liberdade de pensamento” e a “liberdade de expressão” pode ser, no
entanto, uma falácia, uma vez que essas duas habilidades de nossa espécie se coadunam
no destino: penso e me expresso, logo, existo!
Liberdade
No artigo “Liberdade,
liberdades”, o professor de Filosofia Renato Janine Ribeiro (Lua Nova: Revista
de Cultura e Política, 1986), evidencia a complexidade do termo
"liberdade". Para ele, “existe uma noção liberal de liberdade, [...]
igual ao direito de cidadania” e os demais direitos humanos vinculam-se todos a
esse direito primeiro e principal. Em suas palavras:
“[...] existe
liberdade partidária para que haja escolha, entre as diversas alternativas
políticas; há liberdade de expressão para que a escolha seja livre e
esclarecida; haverá liberdade empresarial para os indivíduos se protegerem do
excessivo poder de um Estado que fosse dono de tudo... Tudo se justifica pelo
voto e a cidadania. O fundamento dessa concepção foi exposto por Benjamin
Constant, político suíço e francês, que explicou que a liberdade moderna
consiste na liberdade do indivíduo diante do Estado”.
No entanto, o
professor rememora que o marxismo introduziu uma “teoria sociológica da
liberdade”, provando que são poucos os beneficiários desta sob o regime
econômico capitalista, no Estado democrático moderno.
E é assim que o termo
"liberdade", tornou-se plural, pois deixou de referir-se apenas a um
direito formal, para ficar mais próximo dos fatos: afasta-se do plano simplesmente
jurídico ou constitucional, para “sociologizar-se”. Em suas palavras: “Ao
liberal bastará inscrever na Constituição o direito de todos à cultura, por
exemplo: mas, para o homem de esquerda, será preciso que esse direito se converta
em liberdade, que seja um direito real”.
Se a crítica a concepção
liberal de liberdade feita a partir de uma análise econômica da vida social
criou “liberdades”, nada mais pode ser do mesmo modo?
O que seria, então, liberdade
de pensamento? E liberdade de expressão do pensamento?
Em As versões da liberdade, Maria
Isabel Limongi considera que liberdade “diz-se de muitos modos: liberdade do querer, do fazer,
autonomia, participação política, direito”. Para a autora, o termo liberdade “emprega-se
também de muitos modos: como simples palavra ou como conceito, como arma
política ou elemento doutrinal, como ideia reguladora ou apelo à experiência”.
Além disso, Limongi
evidencia que “por dizer-se e empregar de muitos modos”, a liberdade “deixa-se
ainda pensar de muitos modos, em diversos planos discursivos”. Em suas
palavras, “o que está em questão é o seu conceito e a possibilidade de pensá-lo”,
pois, temas como a globalização e o avanço tecnológico, “parecem de algum modo
colocá-la em risco”.
Resenhando O
avesso da liberdade, obra organizada por Adauto Novaes que reúne um
conjunto de conferências proferidas sobre o tema, Maria Isabel Limongi – Doutora
em Filosofia pela USP e Professora do Departamento de Filosofia da UFPR – oferece
ao leitor um “panorama intelectual brasileiro” em artigos. A pergunta que resta
é: A liberdade é pensável?
Teoria: sempre é
bom...
Quem é John Stuart
Mill, o teórico francês que disserta sobre o tema da liberdade? Considerado “o
mais notável filósofo do século XIX, foi economista, defensor da liberdade
pessoal e política, assim como pensador e lógico” e, de acordo com ALVES (2011),
John Stuart Mill conseguiu construir uma argumentação sólida e coerente para o
direito à liberdade, mesmo com a diversidade do pensar humano representado por
visões, crenças, dogmas, doutrinas, razões, na obra A Liberdade (MILL, 1859).
Stuart
Mill, no início de sua obra, sugere que suas declarações sejam consideradas base
para a discussão antes que delas se façam aplicações e acredita que esteja contribuindo
“de maneira proveitosa e consistente”, para governos e condutas morais. Assim, elabora
princípios que, juntos, formam uma “doutrina”. Quais são?
“As máximas são, em
primeiro lugar, que o indivíduo não deve ser responsabilizado pela sociedade
por seus atos, enquanto estes não disserem respeito aos interesses de outrem
que não ele mesmo; e em segundo lugar, quando tais ações forem prejudiciais ao
interesse alheio, o indivíduo é responsável e pode estar sujeito a ambas as
punições, sociais ou legais, conforme a opinião da sociedade sobre o que deve
ser requerido para sua autoproteção" (MILL, 1859)
Segundo Alves, suas
ideias não eram completamente originais, no entanto, das mais aprofundadas no
quesito liberal.
Um conceito
levantado por Mill é o “principio do dano”, que nada mais é do que as
consequências de expressar aquilo que se pensa.
Esse princípio visa contemplar a falta de controle dos indivíduos que
externalizam o pensamento, extrapolando o individual para a sociedade, sendo
então passível de punição. Nas palavras de ALVES (2011, p. 203) o princípio
“[...] opera como centro de sua doutrina e é a base de legitimação das normas
penais nos países de fala inglesa, desempenhando um papel essencial desde o
século XIX”.
Além da liberdade de
pensamento, o francês também se dedicou a escrever em defesa da liberdade de
expressão, da individualidade e o desenvolvimento humano resultantes do direito
do livre pensar. Ainda, a esse respeito, é importante dizer que Mill expressava
ter consciência de que o ser humano é falho e subjetivo, por tanto a liberdade,
nem sempre é benéfica, mas de todo modo, necessária para o desenvolvimento da
humanidade.
Para Laura Valladão
de Mattos, Professora da Faculdade de Economia e Administração da PUC/SP, Stuart
Mill é conhecido por valorizar a liberdade política, individual e, mais especificamente,
a liberdade econômica. No artigo “A posição de J. S. Mill em relação ao Estado:
os casos das sociedades ‘civilizadas’ e das sociedades ‘atrasadas’”, a
pesquisadora reflete que a “fama” de Stuart Mill “não é injustificada”, pois, “no
que tange ao que ele denominava países ‘civilizados’ [...], seria desejável,
por um lado, garantir aos indivíduos o máximo de participação política e
liberdade de expressão possíveis e, por outro, restringir ao mínimo a
interferência do Estado na vida econômica e social. No entanto, para ela, coloca-lo
como “porta-voz da liberdade” é apenas “uma dimensão do pensamento do autor”.
Em suas palavras:
“[...] as suas
concepções sobre Estado são cheias de nuances mesmo no que se refere às nações
‘avançadas’, e revelam-se radicalmente diferentes quando se trata de países que
se encontram em estágios de ‘civilização’ mais ‘atrasados’”.
No artigo mencionado,
Valladão de Mattos analisa um aspecto do pensamento de Mill que, de acordo com
a fortuna crítica consultada, foi pouco
explorado: “a diferença de tratamento dado às nações por ele consideradas ‘civilizadas’
vis-à-vis as consideradas ‘atrasadas’. Em sua análise adota duas perspectivas: política
e a perspectiva econômica e social. Interessantíssimo.
Considerações finais
Estefânia, uma das autoras |
Acreditamos que a
liberdade de pensamento anda lado a lado, para a par, de mãos dadas com a
liberdade de expressão e ambas são resultados das vivências particulares dos
indivíduos em estreita relação com os contextos sociais nos quais estes estão inseridos.
Todavia, sempre haverá conflitos entre o que se pensa e o que se pode expressar
e, talvez aí esteja a beleza e a profunda contradição de sermos o que pensamos,
ao mesmo tempo em que nunca somos claros o bastante acerca do que somos e
pensamos.
Paloma, a ilustradora. |
Reconfortante é
sabermos que temos o direito à liberdade de pensar, rever, repensar, expressar,
calar...
Se “a nobreza dos
seres humanos não está na existência uniforme; os homens tornam-se nobres
quando cultivam a própria individualidade, aquilo que têm de peculiar, desde
que não prejudique direitos e interesses alheios” de acordo com Alves (2011, p.
207), o que seria liberdade de pensamento?
REFERÊNCIAS:
ALVES, R. V. S. Sobre a liberdade: Indivíduo e sociedade em Stuart
Mill. Revista CEPPG-CESUC. Ano XIV, Nº 25 – 2º Semestre. Catalão/GO, 2011. Disponível
em: http://www.portalcatalao.com/painel_clientes/cesuc/painel/arquivos/upload/temp/fdcff07f7fa5a0563a24cb83e40a3f5d.pdf.
Acesso em julho de 2020.
FIGUEIREDO, K. Dia da liberdade de pensamento, InfoEscola:
Navegando e aprendendo, Arquivado em datas comemorativas. Acesso em julho de
2020.
LIMONGI, Maria Isabel. As versões da liberdade. Resenhas. Revista
de Sociologia e Política. Nº. 22. Curitiba, Junho de 2004. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-44782004000100019&script=sci_arttext.
Acessado em julho de 2020.
MATTOS, Laura Valladão de. A posição de J. S. Mill em relação ao
Estado: os casos das sociedades ‘civilizadas’ e das sociedades ‘atrasadas’. Economia
e Sociedade, Campinas, v. 17, n. 1 (32), p. 135-155, abr. 2008. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/ecos/v17n1/a06v17n1.pdf.
Consulta em julho de 2020.
RIBEIRO, Renato Janine. Liberdade, liberdades. Lua Nova: Revista de
Cultura e Política. vol.2 nº.4. São Paulo, Março de 1986. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-64451986000100002.
Acesso em julho de 2020.
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