16 de junho: um dia para a Criança Africana


Representatividade africana na literatura e a construção da identidade
Débora Monteiro
Luzia Martins
Mariana Paz

 Em homenagem ao dia da criança africana, comemorado em 16 de junho, nós, do grupo PET Educação, resolvemos pesquisar sobre preconceito racial, representatividade, construção da identidade e a importância da literatura nestes contextos.
Representatividade africana na literatura e a construção da identidade
Desde algum tempo, vem-se discutindo a questão da representatividade africana em todos os âmbitos: na televisão, nas empresas, na ciência e na literatura. Na escola, não poderia ser diferente.
Nós, futuras pedagogas, devemos nos ocupar com a formação das crianças o que ocorre, também, através da literatura. Assim, livros literários que estão nas salas de aula e nas bibliotecas nos interessam conhecer, pois o contato, a apreciação, a discussão dos pequenos sobre o "mundo literário" é crucial na primeira infância, no desenvolvimento infantil e na construção da identidade de cada um. Além disso, é através da literatura que conhecemos o que o outro pensa, mesmo que seja divergente de nossas próprias crenças, valores, ética.
A construção da identidade da criança, na escola, passa, inevitavelmente pelos referenciais (conceitos e atitudes) que forem a ela apresentados. Neste aspecto, destacamos principalmente, os brinquedos e as brincadeiras, os personagens de desenho animado e as histórias infantis. Sobre personagens da literatura, Mariosa e Reis (2011, p.42) consideram que em parte considerável dela, "a criança vai deparar com os personagens de origem europeia, mocinhas brancas e frágeis esperando por príncipes, também brancos, que irão salvá-las. Raramente, heróis africanos estão presentes.
Assim, faz-se necessário apresentar aos pequenos, na escola, livros literários de qualidade, pois de acordo com Zilberman (2009, p. 17), "a experiência da leitura de um texto literário", tem a capacidade de "provocar no indivíduo os efeitos do estado de alteridade". Ou seja, a autora imagina e prevê que ao conhecer como "o outro" pensa, a criança pode se colocar no lugar dele e é isso que torna a literatura "capaz de expandir os horizontes daquele que lê, mesmo em situações em que o contexto vivido é completamente diferente do lido".
O que se pode observar, com raras exceções, é que a literatura apresentada às crianças na escola nem sempre abarca as diversas identidades e formas de ser humano, se limitando, muitas vezes, a apenas uma identidade, a branca. Dessa forma, crianças negras, na maioria das vezes, não se veem representadas em livros didáticos ou literários. Quando são personagens nessas histórias, não ocupam cargos ou papéis de destaque. Sobre essa questão, Fanny Abramovich, na obra Literatura Infantil: gostosuras e bobices (1997) já atentava, nos anos 90 do Século XX, para "as caras do terceiro mundo", inexistentes nas obras literárias analisadas por ela. Em suas palavras:

É incrível como se confundem e até se reforçam, nos livros infantis, o ético e o estético. [...] A fada, a princesa, a mocinha são sempre protótipos da raça ariana: cabelos longos e loiros, olhos azuis, corpo esbelto, altura média, roupa imaculada. [...] O preto? Ora, somente ocupa funções de serviçal. Normalmente é desempregado, subalterno, tornando claro que é coadjuvante na ação e, por consequência, é subalterno na vida [...].


Para Mariosa e Reis (2011), a presença desses estereótipos nos livros oportuniza que as crianças cresçam “com a sensação de que os padrões do belo e do bom são aqueles com os quais se deparam nos livros infantis”. Os autores pensam também, que as crianças brancas “vão se identificar e pensar serem superiores às demais”, enquanto que as crianças negras “alimentarão a imagem de que são inferiores e inadequadas” e podem crescer com a “ideia de branqueamento introjetada”.
Representatividade
A falta de representação positiva de um povo – em jornais, livros, obras de arte, publicidade, cinema, música, teatro, entre outras – desencadeia um sentimento de inferiorização e auto rejeição de seus valores éticos, estéticos e culturais, prevalecendo os valores dominantes.
O atraso do retrato negro na literatura brasileira é ainda mais notável, uma vez que este espaço de manifestação – a escrita, em forma de literatura – não fazia parte de suas vidas. Isto faz com que suas representações sejam feitas por terceiros, o que mantém a posição de desprestigio e repetindo as tais representações que tentavam romper.
Para Jovino (2006, p. 187), “somente a partir de 1975 é que vamos encontrar uma produção de literatura infantil mais comprometida com uma outra representação da vida social brasileira” e, por isso, “podemos conhecer nesse período obras em que a cultura e os personagens negros figurem com mais frequência”
Reconhecer a Cultura Afro-Brasileira como uma das mais fluentes na construção do Brasil é de suma importância à medida em que nota-se que a perspectiva eurocêntrica, está e sempre esteve presente nas mais diversas produções e, nas produções infantis, não é diferente. Neste contexto, não se pode negar que a educação brasileira é reflexo de uma orientação eurocêntrica que acabou conduzindo as pessoas a reproduzirem, consciente ou inconscientemente, as discriminações e preconceitos oriundos da incapacidade socialmente estabelecida, de lidar com a diversidade humana.
Exatamente por isso, a maioria dos livros e outros materiais didáticos refletem em seus conteúdos, os mesmos preconceitos e depreciações a culturas que não possuem a mesma origem ocidental, de acordo com Munanga (2005, p. 15).
Atualmente...
O Brasil, de acordo com SANTOS[1], é um país composto por várias etnias: europeus, africanos, índios e outros povos. Essas variações étnicas se refletem no espaço onde se inicia a vida cultural de um povo, a escola e a “vida escolar brasileira é composta por várias histórias” e diferentes famílias, o que proporciona ao professor a criação de um “processo didático interativo em que um aprende com o outro”. Cabe a ele, então, “mediar” situações, “pois em geral, os alunos mais pobres são os negros e correm os maiores riscos de serem discriminados”.
Atualmente, são visíveis as diferentes percepções de mundo, de belo e aceitável, às quais as crianças são expostas desde seu nascimento, se estendendo por toda a vida. Isso, por sua vez, pode levar ao desprezo e a negação da sua cultura, fazendo com que o sujeito não se reconheça como pertencente a ela, por nunca ter tido acesso e conhecimento deste universo ou por este universo ter sido apresentado como negativo implícita ou explicitamente. Para este último caso, Gerusa, Lucilene e Davidson (2018, p. 177), explicam:

Na obra citada, Fanon, ao analisar o homem preto e suas psicopatologias, ou seja, o surgimento das neuroses e dos traumas de sua consciência, segundo os fundamentos freudianos, constatou que estas teriam origens em determinadas vivências na infância, em comparação aos fundamentos estabelecidos pela estrutura da família tradicional, branca e burguesa. Afirmou que o homem preto, à “medida que entra em contato direto com a realidade social, diante das manifestações subjetivas dos brancos, percebe que muitas das proposições que absorveu, seus ideais e concepções de mundo, são irreais para ele” (SABINO, LOURENÇO, SILVA, 2018. p. 177).

Ao pensar em literatura, é preciso ir além do lazer e prazer da leitura, e considerá-la como instrumento de relações sociais, de conhecimento e de algum modo, de luta, pois é importante “não reduzir a literatura infantil apenas ao processo de instrumentalização pedagógica”. Ela é “um legado histórico, político e social fundamental, que fará parte do imaginário dos futuros adultos”, de acordo com Sabino, Lourenço e Silva (2018, p.173).
Como futuras professoras, acreditamos que a escola pode atuar como um elemento estrutural de mudança cultural. Assim, pensamos que o material didático (livros, cadernos, estojos, mochilas), a literatura (os livros, os gêneros, os autores), os vídeos (filmes, desenhos, postagens, clips) e mesmo as atitudes de professores, coordenadores e diretores deverão “reafirmar valores como a igualdade, solidariedade, tolerância, justiça e ética” (SABINO, LOURENÇO e SILVA: 2018, p.177).
Literatura: meio condutor?
A literatura infantil apresenta-se às crianças como meio condutor de informações e conhecimentos sociais. Para Silva (2019. p. 9-10), é através dela que os pequenos “irão aprender e desenvolver seu papel social e construir sua identidade e personalidade”, pois, para o autor, os livros “têm a finalidade de referencial e entreter de forma prazerosa”, caracterizando-se como “pilar importante na construção social do indivíduo”.
É nesse contexto que a Literatura Infantil Afro-Brasileira surge como um instrumento fundamental para a construção da identidade e autoestima da criança negra. Para Mariosa e Reis (2011, p. 43), um “trabalho com literatura afro-brasileira, onde os heróis são referencias em histórias como protagonistas negros”, pode contribuir, tanto para a” construção da identidade e da autoestima de crianças negras como para a valorização da convivência na diversidade com a criança branca”. Portanto, fica evidente que a literatura é de fundamental importância no desenvolvimento, não só da leitura e da escrita, mas também, na construção da identidade, na formulação da autoestima, no enriquecimento cultural e muito mais.
Produções literárias
A perspectiva desenvolvida acima direciona atenção aos conteúdos das produções literárias, já que a criança utiliza como espelho ou referencial as abordagens das obras no seu contexto social. A literatura infantil contribui de forma expressiva para a formação do seu leitor e possivelmente influencia suas práticas sociais, exaltando assim o poder da leitura na vida do indivíduo. No âmbito infantil a questão da representatividade é ainda mais importante. A criança é um ser em formação, e tudo que lhe for exposto contribuirá para a formação de sua identidade e personalidade.
Diante do contexto, Silva (2019, p.10), nos questiona: É necessário pensar em representação para o público infantil? Qual a representação do negro apresentada para as crianças? A sociedade estaria propagando correntes racistas implícitas aos pequenos pelo fato de estereotipar negativamente ou invisibilizar indivíduos negros no contexto social de suas produções literárias?
Investir na construção de uma identidade significa abrir caminho para a revolução no jeito de pensar da sociedade contemporânea, pois os educandos de hoje serão a sociedade de amanhã. A literatura, nesse ínterim, pode ser um espaço de problematização do movimento ocorrido em nossa sociedade (SILVA, 2010, p. 35).
Sabendo desta grande importância e responsabilidade que temos ao apresentar a literatura aos alunos, faz-se urgente usar de critérios na seleção da literatura para o cotidiano da sala de aula.
Escolha de livros que representem as crianças negras
O papel da escola na escolha dos livros utilizados nas séries iniciais é fundamental. É uma das responsabilidades da escola atentar para a escolha do acervo de sua biblioteca, devendo optar por livros que contribuam para a formação de uma identidade positiva do negro e, simultaneamente, proporcionar aos alunos não negros o contato com a diversidade e as especificidades da cultura africana, deixando, assim, para trás, uma visão estereotipada e preconceituosa das idiossincrasias dos referenciais afrodescendentes. Aprendendo a valorizar também as contribuições dos africanos para a cultura brasileira. (SILVA, 2010. P. 6)
A partir da importância de critérios de seleção de livros, a escola deve analisar e enriquecer seus acervos, valorizando as diversas etnias e a interação entre os grupos étnicos, pois, ao fazer isso, estará investindo na construção da identidade de todos os seus alunos, não apenas de alguns.
Tendo em vista que o contato literário de muitas crianças se limita apenas à biblioteca da escola, é fundamental que nela se encontrem facilmente livros que abordem personagens e temas negros e não negros. Isso, por sua vez, contribuirá para o desenvolvimento de uma geração que reconheça a população e a cultura negra, não como pessoas secundárias e desprezíveis, mas como seres humanos com seus diretos e valores. É através da literatura que a criança “recria” sua realidade, conseguindo imaginar e ultrapassar seus parâmetros. É fundamental, também, reconhecer a necessidade de discutir preconceito e racismo em sala de aula. Pois, conforme WERNECK

Sem o apoio dos adultos, a criança busca mecanismos de atender à sua curiosidade acerca das diferenças individuais. Liga sua possante antena parabólica e começa a captar informações truncadas e estereotipadas dali e daqui, incluindo as da mídia (2003, p.11).

Os livros apresentados às crianças não devem tratar apenas de preconceito, mas trazer personagens negros em papéis relevantes, além de boas imagens referência para os alunos observarem.
Para Pires; Sousa; Souza (2005, p.1), não basta trazer personagens negras e abordagens sobre preconceitos. É importante levar em consideração o modo como são trabalhados o texto e a ilustração Quanto aos professores, é indispensável a compreensão e constante busca das diversas culturas e seus valores, para abordá-las em sala de aula, para fazer da escola um lugar privilegiado, rico em cultura, formando indivíduos desprendidos de racismo e preconceito.
Os dirigentes e professores precisam despertar suas consciências para reconhecer a necessidade de um trabalho literário que contemple a diversidade, despertando nos pequenos leitores, senso crítico e discernimento com textos específicos (MARIOSA; REIS. 2011. P. 49). Para tanto, todos devem analisar suas escolhas ao apresentar o mundo literário à criança, pois "estas histórias são capazes de construir sentidos de pertencimento ou exclusão" (MARIOSA, REIS, 2011, p. 49). Devemos 'ir atrás' de livros ricos e que representem nossos alunos e suas culturas plurais, para que todos se sintam incluídos como sujeitos pertencentes e produtores de história, como de fato o são.
Nesse sentido, especialmente no Brasil, a escola e, portanto, todo material de apoio à formação da pessoa e do cidadão, precisa contribuir para que o negro se “reconheça na cultura nacional” expressando uma visão de mundo autônoma, com protagonismo. É preciso que a escola, ao reconhecer, elaborar e compartilhar a história do povo africano e suas referências positivas, contribua para que as crianças negras não se imaginem como seres de segunda classe, inferiores, destinados a terem um papel de subalternidade social. Assim, é preciso considerar um processo de educação que apoie a formação do sujeito que se pensa construtor de sua própria história, que respeita e valoriza a diversidade, constatando que a riqueza cultural de um povo se funda nesta característica (SABINO, LORENÇO e SILVA, 2019, p.177).
Preconceito explícito e os pequenos avanços      
Para discutirmos um exemplo do preconceito introjetado nas obras infantis, antes de tudo precisamos entender que

“... é essencial a consciência de pessoas brancas à respeito de suas posições e privilégios a fim de começar a discutir e se possivelmente iniciar o resolver das problemáticas que abrangem o negro brasileiro, e entre essas problemáticas enfatiza-se os conceitos de representatividade. Em uma sociedade racista que se criou um mito de democracia racial é essencial compreender o racismo como fator sistemático político que permanece nas entranhas sociais mascarando uma realidade cruenta, onde os não-brancos são marginalizados, têm seus direitos negligenciados e negados, situados em lugares pré-determinados por uma hegemonia e retratados de modo pejorativo quando essa representação acontece, até porque na maioria das vezes o que compreende-se é uma exclusão social” (SILVA, 2019, p. 8).

Refletir sobre estas questões reafirma o que já se sabe: o negro é, muitas vezes, representado de forma pejorativa dentro da literatura. Isso é o reflexo de uma sociedade que ainda trata pessoas negras como meros instrumentos de trabalho, explorando e não valorizando, ou valorizando pouco sua vida e seu trabalho, fazendo com que exista uma escravidão contemporânea camuflada. Não podemos reproduzir estes modelos preconceituosos. Podemos começar uma grande mudança a partir da nossa sala de aula, com os livros escolhidos, as formas de apresentá-lo e explorá-lo e a constante reflexão e diálogo sobre preconceito.
Ter apenas um tipo de representação colabora com o enfraquecimento da autoestima, não possuir nenhuma personagem que se assemelhe a você faz com que pareça, na verdade, que o problema está justamente em como você é e que é preciso se aproximar do que é exibido para ser considerado belo (VASCO, 2017 apud SILVA, 2019, p. 10). Neste contexto de dor e ansiedade gerado pelo preconceito e pela falta de representatividade positiva dos negros na literatura, especificamente nos clássicos infantis, que se transformam em desenhos televisionados e viram fenômenos de vendas, vorazmente patrocinados pela mídia de massa e consumidos em formas de brinquedos, roupas, sapatos, temas de festas de aniversários, tal como as princesas da Disney, está claro que a criança negra não se identifica, não se reconhece e, portanto, não deseja ter as características da sua etnia.
E em Monteiro Lobato?
As obras de Monteiro Lobato, em nosso entendimento, claramente explicitam preconceitos. Não queremos condenar a obra do autor, mas intencionamos mostrar como é fundamental aguçar nosso olhar crítico na escolha dos livros literários que vamos apresentar às crianças e nas várias possibilidades de explorar estes livros na sala de aula.
Em uma das passagens, Silva (2019, p.14), que analisa as manifestações de racismo na obra de Lobato informa que as crianças do sítio dirigem-se à Nastácia de modo inapropriado, associando a sua cor e idade a aspectos depreciativos. Leia:

A negra teve um faniquito dos de cair desmaiada no chão. Ouvindo o baque do seu corpo, todos pularam da cama – e foi uma dificuldade fazê-la voltar a si. Desmaios de negra velha é dos mais rijos.

Em outra passagem, a fala de Emília é: “Burrona! Negra beiçuda! Deus que te marcou, alguma coisa em ti achou. Quando ele preteja uma criatura é por castigo”. E, em outro trecho, Emília explica algo a respeito de Tia Nastácia:

Esta burrona teve medo de cortar a ponta da asa do anjinho. Eu bem que avisei. Eu vivia insistindo. Hoje mesmo insisti. E ela, com esse beição todo: “Não tenho coragem... É sacrilégio...”. Sacrilégio é esse nariz chato! (SILVA, 2019, p.15).

Como fica evidente, no artigo “A construção da identidade da criança negra: a literatura afro como possibilidade reflexiva”, Silva (2019) expõe ideias a partir de excertos da obra de Lobato. Para a autora, em O Sítio do Pica-pau Amarelo, Lobato apresenta negros como “seres inferiores e que podem até mesmo serem  comparados com a sujeira”. E o fato de naturalizar a visão do negro como serviçal, através da figura da tia Nastácia, mostra o preconceito dentro da obra do autor. De acordo com a argumentação da autora, Monteiro Lobato imprime em seus textos a ideia de que ser negro é uma maldição e, como futuras pedagogas, consideramos que a obra O Sítio do Pica-pau Amarelo, por fazer parte da infância de várias crianças negras, contribui para uma compreensão errada de que o negro em sociedade deve estar sempre no papel de servir.
Racismo estrutural
Pensar criticamente sobre o racismo estrutural – o racismo enraizado na sociedade, em todos os âmbitos – é tarefa de todos. Dos professores, em especial.
Refletido na literatura, e, consequentemente na visão daqueles que a acessam, o racismo corrobora a ideia de que ser negro é ser o oposto do que é belo e aceitável socialmente, o que contribui não só para um processo de auto inferiorização do negro em sociedade, mas, também, para a não aceitação do seu próprio eu, e, às vezes, até mesmo um desprezo por seu estereótipo. Por isso, é fundamental não reduzir a literatura infantil a processos de instrumentalização pedagógica. Literatura, para Sabino, Lorenço e Silva (2019, p.173), é “um legado histórico, político e social fundamental, que fará parte do imaginário dos futuros adultos”.
Mesmo após o fim da escravidão, o Estado e os seus braços institucionais jurídicos, científicos e educacionais, patrocinaram, durante décadas, a ideologia de higienização do país a fim de alavancar o progresso, não há outra possibilidade de pôr fim ao terror do racismo estrutural atualmente vivenciado no país, senão também, por meio de fomento massivo em políticas públicas orientadas a um novo modelo de organização social, sobretudo que respeite a diversidade (SABINO, LORENÇO, SILVA, 2019, p.175). Este paradigma vem sendo modificado, aos poucos e com muita luta.
Textos de literatura afro-brasileira
Os textos relacionados à literatura afro-brasileira são encontrados em maior quantidade e as temáticas são diversas. Sendo assim, é necessário que haja disposição política para que sejam trabalhados de forma assertiva, em ambiente escolar e durante todo o ano letivo e não apenas em novembro, mês da consciência negra, único período no qual a maioria das escolas lembra-se de trabalhar temáticas étnico-raciais (MARIOSA, REIS, 2011, p. 46).
Assim, é possível perceber certo avanço por parte da literatura, que reconhece as pessoas negras como parte de uma historia que deve ser contada, que busca “obras que não se prendem ao passado histórico da escravização” (JOVINO, 2006), mas atentam também a produção de cultura do e no presente.
Faz-se necessário salientar, também, o grande avanço que estamos tendo. Hoje, notamos uma grande mudança na apresentação dos textos literários e nas suas ilustrações. Embora o preconceito ainda exista de forma grandiosa, notamos um grande avanço e muitas pessoas conscientizadas sobre a seriedade do preconceito. Que possamos ensinar nossas crianças que existe apenas uma raça, a humana, e que sua diversidade a torna bela!
Metodologia de pesquisa.
Para iniciar esta pesquisa, reunimos textos e artigos referentes ao assunto. Partimos de uma questão-chave: Qual a importância, para ti, da representatividade afro dentro da literatura para construção de identidade das crianças afrodescendentes?
Escolhemos uma imagem para representar essa investigação e, após, a encaminhamos a nossos contatos no whattsapp. Estabelecemos uma data limite para receber as respostas e elas, após o envio, foram transcritas. Ao todo, recebemos 13 respostas.
Acreditamos que, por ser uma pergunta extensa e tratando de um assunto supostamente delicado, como “cultura afro” e construção da identidade de crianças, não houve um grande numero de respostas.
As respostas...
Em variados campos, mas com o mesmo destino, as respostas recebidas indicam que a representatividade “afro” é, sim, importante. Ao que se refere às crianças, os interlocutores disseram que pensam que a Literatura se torna uma ferramenta para esta identidade, permitindo que as crianças negras criem e alimentem seus sonhos e desejos. Uma das respostas foi:

Quanto mais cedo à criança descobrir que pode ser médico, enfermeiro, astronauta, modelo, ator, cantor, dançarino, atleta, professor, juíz, advogado, o que quiser, o que almeja ser, teremos um adulto frustrado a menos. E menos desigualdade profissional também, por que ela vai ter conhecimento de que o seu lugar é o lugar que ela quiser ocupar e não o que os livros, a mídia e a nossa história insistem em mostrar pra elas.

Outra questão evidenciada nas respostas recebidas foi a imagem do negro inteiramente relacionado à escravidão, com retratados literários se resumindo ao período escravocrata no Brasil, expondo apenas o lado doloroso da história. Os depoentes consideraram a literatura atual como uma oportunidade de expor novos paradigmas sobre a imagem negra, para que não se resuma a figura estereotipada que conhecemos. Uma das respostas recebidas foi:

Por experiência própria, é muito necessário que nós, pretos e pretas nos sintamos incluídos na historia, não só pela parte que sofreu. As pessoas só sabem da história da escravidão e da Princesa Isabel, mas não se fala nas lutas do povo preto. Então, é muito importante que autores pretos sejam expostos para nós, para nos sentirmos representados. Tirar essa branquitude, que só os brancos são importantes... E só quando a gente cresce e por livre e espontânea vontade quer estudar e tomar partido nisso. É uma importância de identidade, de representatividade, fora que a história do povo preto é muito rica, além do sofrimento...

Em conjunto a isso, recebemos respostas sobre o racismo e preconceito infiltrados em personagens infantis. Como expõe esta resposta: “Eu acho muito importante a representatividade afro na literatura, acredito que a literatura tem uma dívida com a cultura afro, visto que, vários contos clássicos mostram características racistas”. Outra resposta indica um personagem como exemplo:

Um exemplo importante do negro no universo infantil é o saci Pererê, retratado como travesso pregador de peças, um sujeito nada confiável. E quando pesquisamos sobre, encontramos um saci onde tudo que é feito de errado é atribuído a ele. Quantas crianças tiveram na infância a representação do saci Pererê?

Estas duas respostas explicitam a forma que o negro é apresentado na literatura e, quando se trata de literatura infantil, se torna algo mais delicado, uma vez que as crianças estão em formação de suas identidades.
Observamos, porém, que pequena parcela das pessoas que respondeu a pergunta não sabe o que é “representatividade” e, desse modo, não conseguiu formular uma resposta à questão enviada. Isso para nós, também serve como resposta, pois, “representação” é dar voz e direitos a todas as pessoas.
Reconhecemos que há pessoas que sempre foram representadas, através da política, mídia, literatura, história, etc. Estas acabam invisibilizando o conceito, não discutindo nem argumentando sobre, inclusive no âmbito escolar, resultando na falta de consciência sobre o tema.
A representação e representatividade quando não é discutida, oportuniza abusos e injúrias. Por isso, sua importância.
Finalizando
A partir desta pequena pesquisa sobre a construção da identidade de crianças negras em interface com a literatura na escola, buscamos refletir e argumentar sobre a importância de tratar de assuntos como racismo, preconceito, representação, entre outros, em sala de aula.
Entendemos que a literatura por ser um instrumento fundamental nas escolas, deve abordar questões sociais e que estão presentes na vida de todos, mas principalmente na vida de pessoas negras.
Escolhemos esta data, neste momento, para registrar que Vidas Negras Importam, assim como suas historias e imagens. E estas vidas e imagens devem ser representadas em todos os âmbitos. A escola, por fazer parte de processos de construção de identidade, tem o dever de apresentar e representar todas as diversidades.
Acreditamos, como estudantes de Pedagogia, que a Literatura é um instrumento para, aos poucos, irmos mudando a nossa sociedade.     
Para saber mais leia:
MARIOSA, G. S. REIS, M. G. A influência da literatura infantil afro-brasileira na construção da identidade das crianças. Estação Literária. Londrina, Vagão vol 8 parte A, 2011.
SILVA, F. O. A representatividade do negro na literatura infantil brasileira nas obras de Monteiro Lobato: "Os doze trabalhos de Hércules - I", "Caçadas de Pedrinho" e "Memórias de Emília". São Francisco do Conde, 2019.
SABINO, G. F. T. LORENÇO, L. G. O. SILVA, D. B. Racismo e representatividade da criança negra na literatura infantil: reflexões sobre o projeto de extensão e cultura "Construindo a própria história". Revista Zero-a-seis, vol. 21, n 39, 2019.
MUNANGA, Kabengele (Org.). Apresentação. In: MUNANGA, Kabengele. Superando o racismo na escola. 2º Ed. revisada. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada,Alfabetização e Diversidade. 2005 p.15-20.
JOVINO, Ione da Silva. Literatura infanto-juvenil com personagens negros no Brasil. In. SOUZA, Florentina e LIMA, Maria Nazaré (Org). Literatura Afro-Brasileira. Centro de Estudos Afro- Orientais, Brasília: Fundação Cultural Palmares, 2006.
HORTA, Marina Luiza. Colorindo a história: a literatura infantil afro-brasileira de Heloisa Pires de Lima. Portal Literafro – Revista da Faculdade de Letras da UFMG, Belo Horizonte2010. Disponível em <www.letras.ufmg.br/literafro/autores/heloisapires/heloisacritica01.pdf>. Acesso em 3 set. 2011.
PIRES, Rosane de Almeida; SOUSA, Andréia Lisboa; SOUZA, Ana Lúcia Silva . Afro-literatura brasileira: O que é ? Para quê? Como trabalhar?. Educom Afro – Publicação da Faculdade de Educação da PUCRS, Viamão, mar. 2005. Disponível em: <www.pucrs.br/.../educomafro/index1.php?p=afro-literatura.> Acesso em: 9 set. 2011.
SILVA, Jerusa Paulino da. A construção da identidade da criança negra: a literatura afro como possibilidade reflexiva. 2010. 78 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Curso de Pedagogia) - Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora, Juiz de Fora.
BARREIROS, Ruth Ceccon. Leitura e formação identitária na literatura infantil afrobrasileira . In: II Seminário Nacional em Estudos da Linguagem, Diversidade, Ensino e Linguagem UNIOESTE – Cascavel. Anais...Cascavel: UNIOESTE, 2010.Dispopnível em <cac-php.unioeste.br/.../ ...> Acesso em 7 set. 2011.
ZILBERMAN, Regina. A Literatura infantil na escola. São Paulo: Global, 2005.
COSTA, Marisa. Currículo: nos limiares do contemporâneo. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.
MEYER, D. Escola currículo e diferença: implicações para a docência. In: Org.
BARBOSA, R. L. Formação de Educadores: Desfios e Perspectivas. São Paulo: UNESP, 2003.
WERNECK, Cláudia. Você é gente? O direito de nunca ser questionado sobre o seu valor. Rio de Janeiro: Wva, 2003.
[1] https://monografias.brasilescola.uol.com.br/pedagogia/a-discriminacao-racial-seus-reflexos-no-processo-ensino.htm

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