A educação e o trabalho remoto: PET Educação entrevista

Professores sem escola? A educação e o trabalho remoto.
Cristina Rosa
Estefânia Konrad

Evidenciar como um grupo de professores está atuando nesse momento em que a educação formal, presencial e remota, está em foco na sociedade foi a intenção do Grupo de Educação Tutorial – PET Educação. Para tal, em 21 de maio de 2020, demos início ao estudo de um tema pertinente a esses “novos tempos”: o trabalho remoto.
Inicialmente em contato com três profissionais que atuam em locais de ensino peculiares (na rede pública municipal, em escola privada e na Faculdade de Educação da UFPel), o desejo era, ao fim de um tempo de perguntas e respostas, elaborar um pequeno artigo sobre como professores estão se  relacionando com o estudo – ensino e a aprendizagem, seus e de seus alunos e/ou filhos – especialmente nesse tempo. Além desses três profissionais que permitiram publicar seus nomes, criamos um grupo composto por 79 professores em uma rede social, a quem também dirigimos perguntas, com o intuito de dialogar sobre vínculo e trabalho durante a suspensão das aulas presenciais.
Tendo recebido boa acolhida a nossa demanda, o projeto foi levado a cabo nesta semana, quando publicamos os últimos resultados do estudo que estás lendo. Os primeiros depoimentos foram publicados em 13 de junho de 2020, no Blog do PET Educação e podem ser conhecidos em: http://peteducacao.blogspot.com/2020/06/professores-na-pandemia-reinvencao.html

Professores e as demandas...
Chamados a responder a questão social e política que surgiu com a impossibilidade de ir à escola, os professores tiveram que responder através da qualidade, intensidade, frequência e resultado de seu trabalho a pais, colegas, direções, gestores e à sociedade.
O que pensam disso os professores que estão na linha de frente dessa demanda social? Como se organizaram para corresponder às expectativas? Qual o grupo de equipamentos que precisaram dispor para trabalhar? Como se sentem ao ter que inventar-se, todos os dias?
Diante dessas curiosidades, nossa pesquisa buscou conhecer como os professores compreendem o momento. Através de sete perguntas, a intenção foi inventariar como estes docentes estão lidando com o ensino a distância, com seus alunos e as famílias destes, com os equipamentos e redes de aceso e, também, com as plataformas digitais.
Professores, perguntas e respostas...
Professora Jéssica
Os três professores para os quais enviamos a solicitação de que respondessem com mais vagar a um grupo de perguntas possuem experiências diferentes na docência: Antônio Maurício é um professor maduro, com traquejo em diversos níveis de ensino e em EAD; Jéssica e Leonardo, por sua vez, são estreantes na docência. O que os une é o trabalho remoto por causa da pandemia. Assim, os três atuam em EAD emergencialmente pela primeira vez.
Os três profissionais que responderam ao questionário são conhecidos do grupo PET Educação e permitiram que seus nomes e experiências fossem revelados. Antônio Maurício é docente em uma Instituição Federal de Ensino Superior e ministra aulas para jovens e adultos. Leonardo é Pedagogo e docente recém-concursado na rede pública municipal e seus alunos são crianças e pré-adolescentes e, a professora Jéssica, é estudante de Pedagogia e leciona em uma turma de crianças com menos de seis anos matriculadas na Educação Infantil de um colégio privado. Três perspectivas diferentes, tanto em função do público alvo como das demandas e atributos culturais e econômicos.
Quais as características que nos fizeram escolher Antônio, Jéssica e Leo? Estarem trabalhando remotamente, serem de três locais de trabalho diferentes – Universidade, escola privada e escola pública na periferia urbana – e terem formações diferenciadas.
As questões pensadas e enviadas para que esses três professores respondessem foram: Primeira vez que trabalhas remotamente? Tiveste formação específica na licenciatura para tal? Se não, onde adquiriu a formação? Como está sendo? Quais os “ganhos” e as “perdas” para tua constituição como profissional? Quais são os equipamentos usas? Quais os suportes de internet que tens usado? Relate uma curiosidade ocorrida... 
Para Antônio Maurício, que atua na modalidade EAD desde 2007, o início foi como “bolsista tutor no Curso de Pedagogia da UFPel”. Posteriormente o professor fez “concurso público para professor numa vaga EAD na FURG” e atuou por “dois anos como professor, coordenador de tutoria e coordenador pedagógico de cursos a distância”. Considera que nesse período, aprendeu “muito sobre a modalidade”. Porém, declarou o professor, ao trabalhar “emergencialmente” no formato a distância ou remoto está sendo a primeira vez. Em suas palavras:

"Assim que teve início a pandemia e o isolamento social, pensei em contribuir com os professores promovendo um curso de extensão, com adesão voluntária, para os que ensinam matemática nos anos iniciais. O curso foi divulgado e, em menos de 24 horas, tivemos 350 inscrições do país inteiro, facilidade essa permitida pela modalidade à distância, uma vez que apresenta mobilidade na organização espaço-tempo. Obviamente que minha experiência, como professor de cursos a distância, contribuiu para a oferta do curso. Pretendo, no período de calendário alternativo da UFPel, oferecer alguma atividade de ensino ou extensão de modo remoto, pois a unidade que trabalho teve como encaminhamento a não oferta de disciplinas no referido calendário, assim pretendo atender aos alunos do curso que estou vinculado, por meio de projetos, com adesão voluntária dos estudantes".

Tanto para Jéssica como para Leonardo, essa é a primeira experiência, como professores e com o trabalho remoto. No caso de Leonardo, que se declarou “atormentado por uma pandemia que não se vivia há anos no ocidente”, a condição de “professor novato”, uma vez que foi recentemente nomeado e assinou sua “posse no cargo em 10 de março, ambos deste ano de 2020”, a primeira vez como professor está sendo “diante de uma numerosa turma de alunos de um 4º ano da Escola Municipal Francisco Caruccio”.
A formação para o trabalho on-line...
Ao indagar a respeito de suas formações para o trabalho remoto, nossa intenção era conhecer se as graduações nas quais os professores foram preparados para a docência possuíam, em seus currículos, esse grupo de informações.
Antônio Maurício rememorou que, em seu primeiro curso de licenciatura, realizado no período 1994-1997, "não se falava tanto em educação à distância e menos ainda em uso das tecnologias nos cursos de formação de professores". Posteriormente, quando cursou nova graduação – Pedagogia, na modalidade EAD – estranhou que, “apesar de ser um curso mediado pelas tecnologias, novamente não se promovia o debate para o futuro uso pedagógico das ferramentas pelos estudantes, futuros professores”. Assim, sua formação “deu-se, de fato, na prática”.
Para a professora Jéssica, não houve formação para uso das tecnologias, na Licenciatura em Pedagogia da FaE/UFPel, da qual é estudante formanda. Para o trabalho que tem de desempenhar desde março de 2020, tem se socorrido com tutoriais disponíveis on-line e a formação que a escola na qual trabalha ofereceu. Sobre o tema, o professor Leonardo afirmou:

Professor Leonardo
"Minha vontade de ser professor trago desde os tempos de Ensino Médio, quando cursava o Técnico em Agropecuária em Guaporé-RS. Já a formação docente é proveniente da Licenciatura Plena em Pedagogia que findei no dia 31 de agosto de 2019. Sou um recém-formado. Adquiri esta formação na Universidade Federal de Pelotas e destaco, nela, minha formação literária, que me ajudou e ajuda a compreender o mundo e sua diversidade e, de forma profunda e verdadeira, me ajuda a ler o mundo hoje em dia".

Considerações...
Ao analisarmos as trajetórias de formação dos três respondentes, percebemos que, apesar do intervalo de tempo entre suas graduações ser amplo, a semelhança está na inexistência de se instituir nos currículos, seja de forma direta, indireta ou transversal, a capacitação para o ensino à distância. 
Se o país dispõe, há um tempo considerável, de dispositivos e tecnologias que possibilitam a existência da modalidade EAD, é quase incompreensível que ainda perdure uma resistência por parte da educação acontecer à distância. Observando o fenômeno, GOMES (2013) considera que isso ocorre, pois a modalidade oferece insegurança. Em suas palavras:

(...) as tecnologias atuais trazem certo incômodo e também desafios à escola e à universidade que, ainda, em grande parte dos casos, procura adaptar as tecnologias aos modelos tradicionais de ensino, quer no presencial, quer na EaD, buscando pouca ou nenhuma inovação nas práticas pedagógicas e aparentemente também pouca reflexão sobre o papel da universidade frente às demandas contemporâneas, sob o viés da tecnologia educacional. Talvez isso ocorra, em parte, porque a pedagogia anda no rastro da tecnologia e a instituição escolar mais atrás ainda; ou porque o foco pela ampliação do acesso e a uma melhora nas estatísticas mundiais tenha deslocado as preocupações (GOMES, 2013, p. 22).

A Educação a distância: uma modalidade de ensino
Pesquisadora Estefânia Konrad
A EAD é uma modalidade de ensino e, em nosso ponto de vista, não pode ser comparada a modalidade de aulas presenciais.
Sem formação específica e com experiência na modalidade presencial, os professores por nós entrevistados tiveram que, rapidamente, propor processos de aprendizagem à distância. Assim, logo ficamos interessados em saber como está sendo esta experiência.
Para Antônio Maurício, que ofereceu um curso para os que ensinam matemática nos anos iniciais, o aproveitamento foi de “mais de 50% dos inscritos com certificado, evidenciando o interesse dos cursistas”. Para ele, a experiência “foi muito positiva, havendo engajamento dos participantes nas atividades propostas, realização das tarefas, participação efetiva nos debates e fóruns” além de “retornos positivos sobre os encaminhamentos do curso”. O professor ressaltou que vários cursistas agradeceram “a oportunidade de ocuparem seu tempo de pandemia com atividades que iriam contribuir para sua prática docente, no retorno às aulas presenciais”.
Um desafio, no começo, a professora Jéssica, afirmou que, “agora, imersa no processo de meses com aulas on-line, já se sente mais confiante”. Já o Pedagogo Leonardo escreveu:

"Atuar como professor tem sido uma experiência rica e bastante desafiadora. As desigualdades sociais tornaram-se evidentes e a pandemia colaborou para exacerbá-las. Na minha turma de quarto ano, por exemplo, 33 alunos frequentavam as aulas presencias e eram bastante assíduos. Com o início da pandemia e a partir as atividades enviadas de forma on-line, um número assustador aparece em minha frente: menos de 50% dos alunos tem acesso à internet. Destes, parte não sabe usar a internet ou não são autorizados pelos pais, outro grupo tem uma internet muito ruim e há os que, de fato, acessam e realizam as atividades mandadas pela escola. Chegamos então, a apenas “oito alunos que cumprem todos os requisitos básicos exigidos pelas estruturas educacionais do município”.

ARAÚJO (2014), em resenha do livro EAD em tela: Docência, ensino e ferramentas digitais, considera que “introduzir essa modalidade de ensino em nossos contextos, seja escolar, seja acadêmico – nas esferas pública ou particular – é propiciar mudanças significativas na maneira de ensinar e aprender de professores e de alunos”.
Perdas e ganhos...
Diante dessas mudanças propiciadas, quais teriam sido as “perdas” e os “ganhos” que a emergência de exercer a profissão de forma remota acarretou a nossos entrevistados? Para o professor Antônio Maurício, “o maior ganho é novamente perceber, na prática, a potencialidade da aprendizagem mediada por tecnologias”. Em suas palavras:

"Como profissional essas experiências me permitem 'descer do pedestal' de achar que o aluno somente pode aprender comigo, ou seja, experiências como essa, evidenciam a autonomia do outro como aprendente, que desenvolve e aprimora seu conhecimento, mesmo sem a interação presencial com o professor".

Considera, ainda, que entre os “ganhos” está a “possibilidade de interação com pessoas de diferentes estados brasileiros, bem como a aproximação em tempos que essas pessoas não estavam interagindo profissionalmente devido ao isolamento social”. Além disso, ressalta que “foi possível promover a aproximação dos participantes aos autores de referência usados no curso”.
Quanto às “perdas”, lamenta a “negação do trabalho a distância” por muitos dos profissionais que deixam “passar a oportunidade de experienciarem essa possibilidade de trabalho inovadora como uma forma de aprendizagem”. Considera uma perda, também, que “algumas atividades que poderiam ser melhor exploradas num momento presencial, síncrono, tiveram que ser realizadas a partir dos limites impostos pela distância e meios de interação”.
Para a professora Jéssica, os ganhos são “conhecimentos novos, um desafio que me fez pensar na educação de uma nova perspectiva”. Em suas palavras:

"Não vejo nada como perda, já que atuo em uma escola da rede privada e meus alunos tem acesso a todo esse ambiente virtual e, por isso, eles estão recebendo todo o material necessário. Penso que seria muito diferente se eu estivesse atuando na rede pública. A única coisa que me deixa um pouco desconfortável é a exposição constante, mas já aceitei que o momento atual é esse".

Já o professor Leonardo considerou que a maior perda foi ser “submetido à exposição pública constantemente” e “ter a carga horária excedida”. As outras perdas listadas por ele foram: a) “ter que tornar a sua casa, quarto ou escritório pessoal, um lugar público; b) necessitar “ter engajamento e simpatia on-line para que as atividades sejam bem aceitas” por todos os alunos; c) “desamparo digital, uma vez que gastos de luz e internet impactam minha remuneração pelo trabalho, pois são gastos que saem da minha casa”. Considerou, ainda que ao usar materiais particulares, não públicos, para suas aulas, “acelera ainda mais a desvalorização do que é público”. Quanto aos ganhos, o professor escreveu:

"Tenho convicção que as perdas são maiores que os ganhos, mas acredito que o papel do bom professor sempre foi destaque e nunca o problema, e essa máxima segue vivíssima. Ser um bom professor segue em alta, a comunicação é diferenciada, o carinho, mesmo que muito distante, é sentido e o conteúdo continua ali. As dificuldades são um presente, explicar para uma turma lotada não é tarefa fácil, explicar à distância, também não. Daí é que vem a essencialidade do bom professor... Mesmo com todos os percalços no caminho, se molda para que uma educação de qualidade chegue ao aluno".

Tutora Cristina Rosa
Concluindo...
Observando as respostas dadas a essa questão, destacamos como “perdas”, nesta experiência, a inexistência de contato pessoal que possibilita observar, olhar, ouvir, falar, esclarecer dúvidas, entre outras, com os alunos. Não tê-los perto obriga o professor a encontrar substitutos para sua presença como vídeos, mensagens de voz, compartilhamentos de fotos e muitas mensagens.
Como “ganhos”, a percepção de que um “bom professor” é capaz de exercer a docência, seja ela na modalidade presencial ou à distância, o que se compreende ao ler o depoimento do professor AM: “Como profissional essas experiências me permitem ‘descer do pedestal’ de achar que o aluno somente pode aprender comigo, ou seja, experiências como essa, evidenciam a autonomia do outro como aprendente, que desenvolve e aprimora seu conhecimento”.
Em breve, as demais questões respondidas por nossos convidados...
Aguarde!

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