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13 junho 2020

Idosos e Violência: repercussões

Idosos e Violência: repercussões
Cristina Maria Rosa

Ao enviar a um grupo de interlocutores o artigo “60 anos ou mais: precisamos falar sobre violência!”, elaborado por mim e pela Cinara Postringer, intencionava dar mais visibilidade a um tema que nos tornou mais sensíveis.
Diante da população que envelhece, no Brasil como um todo e no Rio Grande do Sul, em especial, nos propusemos a apresentar no estudo, como um grupo de jovens e idosos se manifesta quando o assunto é a ou as violências cometidas contra os idosos.
O que nos mobilizou, inicialmente, foi a proximidade do dia 15 de junho – Dia Mundial de Conscientização da Violência contra a Pessoa Idosa – e a possibilidade de ouvir os imediatamente envolvidos, uma vez que acessamos, desde 2018, um grupo de idosos que estuda na UFPel em um projeto estratégico: a UNAPI – Universidade Aberta a Idosos[1].
O que pensam da violência contra si? Como a conceituam? Planejaram suas velhices? Vivem na velhice projetada? Desejam outra velhice para si? Como a violência é sentida por quem têm 60 anos ou mais? E por quem tem 30 anos ou menos?
Ao receber retornos via e-mail, gravações de áudio, mensagens de WattsApp e telefonemas, percebi que, pela qualidade, autenticidade e emoção das interações, nosso artigo tinha atingido uma camada profunda dos leitores –  repercutindo e reverberando além do que imaginávamos.
Emoções, argumentos, histórias de vida, relatos de situações limite, descrições de eventos, disputa de conceitos e divergência quanto à responsabilidade de cada um e da sociedade como um todo na instauração desse “real” que é a violação de direitos tramou a necessidade de dar vazão às repercussões. Esse texto, então, trata do impacto que a leitura do artigo causou em um grupo seleto de pessoas: do mundo intelectual e do mundo do trabalho[2]. Perguntei a elas o que pensavam sobre o tema e quais suas considerações acerca do artigo publicado em nosso BLOG. Uma das opiniões veio em forma de elogio e alerta:

Olá, Cristina. Gostei demais do texto! Tema muitíssimo oportuno! Abordagem maravilhosa! Veja que eu estou falando com propriedade, pois estou nos 70. Gostei de ler, por exemplo, sobre o conceito de violência benévola, que eu não conhecia! Gostei de ver também o link, lá no final, tratando dos idosos no Rio Grande do Sul! Vou ler! Parabéns pelo seu trabalho! Abraços.

Assim como a opinião acima exposta, que se refere ao produto de nosso trabalho como oportuno, outra fonte escreveu: “O artigo: está muito claro e abrangente, gostei muito. Leva à reflexão sobre este assunto tão importante!”.
Houve quem se sentisse com vontade de falar de si ou de pessoas idosas que as cercam. Como exemplo, a solicitação de uma delas: “A pesquisa me pareceu concluída, porém, se der tempo, eu teria a história de uma idosa para contar, algo que marcou muito a minha vida. Se aceitar, posso redigir”. Instadas a escrever, duas enviaram relatos. Um deles foi:

Muitas vezes, quando expressamos nossa opinião sobre determinado assunto, buscamos por nossas experiências vividas. Quando questionada sobre o que penso em relação a violência praticada contra idosos, me perguntei de que maneira poderia contribuir com algo que pensava não ter vivenciado. Na verdade, estava enganada. Presenciei a violência, assisti e também pratiquei, por não compreender e classificar certas situações como violentas. Sim, pois é também um ato de violência não intervir quando percebemos que há algo errado acontecendo. Uma vez que sabemos que vamos envelhecer, deveria ser automático o ato de colocar-se no lugar do idoso e pensar como seria se estivéssemos na mesma posição que ele. Ocorre conosco um fenômeno muito parecido ao que parece acontecer aos nossos pais e avós. Nós não percebemos a passagem do tempo pelo referencial do outro. Assim como eles nos enxergam como suas crianças, nós os vemos como a nossa fonte inesgotável de segurança, aqueles que jamais vamos ver em situações de vulnerabilidade. Deste modo, acabamos por não prestar atenção às dificuldades que a vida vai impondo às pessoas, à medida que envelhecem. Sobretudo, quando estas gerações presenciam mudanças radicais nos ramos de ciência e tecnologia. Tais mudanças alteram o comportamento e o modo de vida de uma sociedade, que não consegue explicar àqueles que cresceram e educaram-se em tempos sem “cliques e botões”. A comunicação falha e as gerações se afastam. Cresci com meus avós sempre presentes. Vivi com os avós maternos durante toda a infância e, depois, mudei para casa da minha avó paterna, de onde só saí, no final da Faculdade. Há pouco tempo atrás, minha família e eu não conseguíamos perceber que aquelas senhoras cheias de energia, pediam a nossa ajuda! Até que um dia, na casa de uma das minhas avós, começaram os desaparecimentos de objetos, o esquecimento de nomes, lugares, pessoas e também o aparecimento dos mesmos objetos em lugares inesperados. O diagnóstico veio rápido: Alzheimer. Minha família paterna rapidamente se mobilizou para realizar o tratamento. Com a doença em estágio inicial, nossa avó era ativa e fazia seus passeios como sempre gostou. No entanto, redobramos a atenção na sua rotina e foi então que percebemos a quantidade absurda de golpes em que ela caía todos os dias. Assinaturas de revistas, compras desnecessárias, cartões de loja e até mesmo empréstimos feitos sem necessidade. Descobrimos, mais tarde, que estas coisas aconteciam mesmo antes da doença se manifestar. Alguém neste mundo percebeu que esta falha na comunicação entre gerações, poderia ser “lucrativa” e resolveu abusar dos idosos para roubar-lhes. Esta foi apenas uma das situações humilhantes pelas quais vi meus avós passarem. Estes golpes quase sempre estão relacionados ao uso da tecnologia. São mensagens de celular, vendas de produtos, notícias falsas na internet e, até mesmo, ligações telefônicas com relatos de falsos sequestros pedindo dinheiro. Isto tudo me fez pensar em como me comunico com meus avós. Se tivesse tido a paciência de ouvi-los, prestado atenção em seus sinais de esquecimento, ou auxiliado no uso de tecnologias, poderia ter evitado muitas destas situações. Trata-se de envelhecer com dignidade, sem ser enganado ou roubado, em razão daquilo que desconhecemos, por não ter acesso. A garantia disto é uma responsabilidade da nossa geração. Precisamos aprender a ouvir a necessidade dos idosos, para que nossos filhos e filhas aprendam conosco e repitam estas ações no futuro.

Outro relato enviado a mim após a solicitação de opiniões e considerações foi o seguinte:

Oi Cris, boa noite. Espero que estejas bem, como sempre... Sorriso largo, olhos curiosos e interrogativos... Domingo eu continuo sendo da família. Sou conhecida na família por não abrir mão da reunião desse dia. Fazemos sempre uma retrospectiva da semana. Informal, mas tudo fico sabendo. Ou quase tudo... Mesmo com a pandemia, seguimos nos encontrando. Com inúmeros protocolos antes inexistentes. Pensei: se o vírus me pegar daqui há três meses, eu perdi esse tempo com a família e, na última hipótese, se eu morrer de COVID-19, vou ficar sem eles mesmo! Então, fizemos algumas combinações, como por exemplo: todos devem chegar de máscara, trazer outro calçado para usar dentro de casa e, ao chegar devem se dirigir ao banheiro, lavar as mãos com sabonete líquido, secar com papel toalha e, após, utilizar álcool gel. A roupa externa deve ser trocada. Eles toparam, então continuei fazendo lasanha, nhoques, e, no último domingo, fiz bolinho de batata. Estou vendo que virou uma carta... Mas, para que eu te dissesse o que penso sobre o texto, precisava te justificar o porquê não respondi no domingo... Assim, me conheces um pouco mais. Não foi descaso. Sobre o texto: muito legal, interessante, leitura fácil. Concordo plenamente com a pessoa que inicia sua resposta com a expressão "quem semeia ventos, colhe tempestades”. Só acredito em "abandono" para quem se abandonou. Há tanto para fazer e dizer à medida que o tempo passa, pois se vive e se sobrevive no cotidiano de acordo com o espaço que vamos ocupando e, principalmente, como ocupamos este tempo em diferentes espaços. Outro  posicionamento que me chamou a atenção foi aquela que compartilhou palavras de Cícero. Amei, pois vale para ela "conservar a sua ascendência sobre os familiares...” e, pra mim também. A questão da saúde precária é realmente muito delicada, porque há um desgaste físico natural que precisa de investimento. Sobre os golpes e os golpistas, acredito que, o que o idoso não concebe para si, ingenuamente, pode não ver ou não querer ver no outro. Por isso, acredita, faz e se desilude. No momento em que mencionas o Estatuto do Idoso fiquei pensando: quem leu e conhece? Quem tem acesso? Acho importante, indispensável ter projetos sempre. Sendo jovem ou idoso, o sonho revigora, alimenta, envolve e impulsiona. E saúde e autonomia são pilares que sustentam o idoso. Dinheiro não é só um detalhe; atualmente, é um condutor de saúde, desde a alimentação adequada até a rapidez no acesso ao médico ou medicamentos e a autonomia para ir e vir com independência. Tenho dúvidas se, “em teoria”, como vocês escrevem no texto, “o idoso ainda é considerado um ser frágil, às vésperas da morte”. Quando perde a saúde, principalmente a mental, aí sim. Mas, aqueles que não abandonaram projetos e sonhos, idoso ou não, pode ainda sentir a "ânima" funcionando, ou seja, em qualquer idade há "a dor e a delícia" de ser o que se é, sem esquecer que gentileza gera gentileza, respeito gera respeito, amor gera amor e quem semeia ventos, colhe sim, tempestades. Opinião dada. Abraço virtual.

E quanto ao tema? O que manifestaram em suas mensagens o grupo de pessoas para quem enviei nosso artigo? Uma das respostas recebidas foi:

Penso que a violência contra o idoso existe e não é por que ele "esteja colhendo o que plantou", como respondeu uma pessoa na pesquisa. A violência existe por que a maioria dos idosos é frágil, em sua força física, em seu poder de argumentar e se defender. É o desequilíbrio de forças entre os idosos e os  familiares e/ou cuidadores que enseja a violência física, psicológica, financeira. Eu, embora já considerada idosa, me mantenho ativa no trabalho, embora um pouco mais light. Graças a Deus, tenho saúde física e mental para gerir minha vida! Espero que por muitos anos... Infelizmente nossa cultura não ensina a respeitar os idosos, haja vista os comerciais e programas cômicos de TV em que são ridicularizados. Isso cria no imaginário do povo uma ideia de que o idoso tem menos valor, menos conhecimento ou sabedoria que os mais jovens.

Quando manifestou sua opinião, uma das pessoas referiu-se ao devir, a um projeto, um “inédito viável", um jeito mais digno e respeitoso de estarmos idosos e idosas. Leia:

Falarei acerca do impacto que o texto “60 anos ou mais: precisamos falar sobre violência!” de autoria de Cristina Maria Rosa e Cinara Postringer provocou em mim. Primeiro pensamento: sou idosa! Pensamento posterior: como me sinto como idosa? Não me sinto idosa e isso passa longe de negar minha situação geracional ou não querer assumir a idade que tenho. Coloquei-me a pensar quem represento como pessoa “idosa”. Mulher de determinada classe, situada em uma etnia cultural, com determinado posicionamento político, de gostos e desgostos. Independente financeiramente, apesar do salário de professora. Ativa no mundo do trabalho. Com saúde física e mental (acho). Bem resolvida nas afetividades. Amante de várias linguagens artísticas. Enfim, sei que faço parte, estatisticamente, da polução idosa, mas sobre qual idoso e ainda mais, idosa, estamos falando? Infelizmente, pareço estar fora de um tipo predominante de idosa no Brasil, país que ainda não tem uma política pública, tampouco uma cultura bem instituída para a valorização desta etapa da vida. Reconheço que, muitas vezes, esta fase geracional chega com muitos impasses e problemas de toda ordem, alguns, inclusive, relatados pelas autoras. Entendo que, em grande parte, a violência nesta fase pode ser tão sutil que sequer a reconhecemos como tal, concordando, dessa maneira, com a referência de Jane Felipe acerca da "violência benévola", citada pelas autoras. Sem dúvida, temos de lutar para instituir um jeito mais digno e respeitoso de estarmos idosos e idosas. Talvez este seja um projeto de "inédito viável".

Outra de nossas fontes enviou um agradecimento pelo envio da matéria e discutiu alguns das afirmações ali contidas. Leia:

Em primeiro lugar gostaria de agradecer o compartilhamento da escrita. Uma delícia ler o resultado de um trabalho que deve ser gratificante, pois trata-se de tema bastante presente e emblemático em nossa sociedade. Triste realidade! Se aqui estamos é porque algum idoso nos antecede ou antecedeu. Mas, meu olhar também teve uma posição crítica. Permita-me discordar desta frase “Usar a tecnologia disponível não é mais segredo para esse grupo geracional que já não fica à margem quando se menciona celulares e notebooks, contatos virtuais e lives”. Discordo do termo “usar”, pois traz certa generalização e, penso, deve ser relativizada. É sabido que a existência das tecnologias não é segredo, mas o uso, sim. Minha experiência diz que ainda é um fator limitador, e bastante grande. Enfim, este fato deve evitar a generalização e ser suavizado ou dito com outras palavras, em minha opinião.

Observando o impacto do texto em pessoas que tem profissões interessantes e que ainda não são idosas, vale destacar duas opiniões recebidas:

Li o texto. Fez-me pensar em exemplos de pessoas que estão na “melhor idade”. O texto é muito bom, provocativo e delicado ao mesmo tempo. Ser idoso, estar na fase da vida em que, de certa forma, deveria ser agradável, para a grande maioria não é possível. Penso que é um grande tabu planejar e pensar na velhice. Nesta etapa da vida, carregada de preconceitos, aparecem as limitações. A violência caminha ao lado do idoso. Na verdade, está sempre próxima da fragilidade.

Olha que tema legal. Este tipo de estudo me interessa. Como Assistente Social, vivencio muito a negligência, o abandono afetivo e material. Atuo, nesses casos, junto à família, para que os mesmos despertem a consciência legal de que, em primeira instância, a responsabilidade pelo idoso é dos filhos. Às vezes, resolve, noutras não. Então, temos o segundo momento: levar o caso ao conhecimento do MP. Este, sim, atua e muito. A força da lei requer atitudes, ações para o bem estar desses idosos.

Por fim...
Abordar esse tema, as violências contra os idosos foi uma iniciativa que, inicialmente, não imaginei tão profícua. Convivo com idosos desde sempre e cultivo memórias dos que me antecederam, educando meu filho a olhar para trás e amar os nossos, ouvindo-os. Mas, tive o privilégio de ser escolhida como professora de um grupo que, desde março de 2018, cultivo. Já estudamos e rimos juntos, viajamos e nos alimentamos. Já nos emocionamos e flanamos. Juntos.
Agora, nesse tempo de estar em casa, tomei para mim o compromisso de não permitir que eles me esqueçam. Envio áudios com poesias e primeiras páginas de livros e pergunto se gostaram. Não aceito o desaparecimento de um ou outro do grupo. Em síntese, pretendo ser idosa. Pretendo ser cuidada, se não mais conseguir por minhas próprias forças. Pretendo ser amada. Pretendo ser lembrada. E estou plantando uma floresta. Acredito que, assim, poderei receber meu filho.  E netos, caso eu os tenha. Na falta deles, pretendo receber quem for lá. Será uma velhice bem interessante: com livros, árvores e amigos.
Agradecer
Agradeço a todos que, ao manifestarem-se, atribuíram confiança a nossa pesquisa e, ao ler os resultados de nosso artigo, me enviaram suas palavras. O PET Educação, que aqui represento, tem se preparado para intervir, com projetos educativos e literários em trajetórias de vida de pessoas aos 60+. Assim, esses textos são parte da aquisição de condições de trabalho e sensibilidade para sermos mais e melhores e disponibilizarmos, de forma gratuita, os saberes produzidos na Universidade.
Obrigada!




[1] Atuo frente a um grupo de estudantes 60+ desde março de 2018, ofertando disciplinas vinculadas à UNAPI. Nas aulas de Literatura, pude conhecer, através de observações, relatos e situações, pequenas ou grandes investidas da violência contra uma ou mais personagens que por ali circularam.
[2] Decidi manter sigilo sobre as identidades de quem se manifestou. Algumas solicitaram; outras permitiram publicação de nomes e profissões. Para evitar diferenças de tratamento entre as fontes, optei por explicitar apenas o conteúdo das mensagens recebidas.

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